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20 de agosto de 2009

QUANDO A MORTE FUNGOU NO MEU CANGOTE

Eu sempre fui um cara comportado, mas houveram duas vezes em que eu quase morri. Em uma eu me machuquei muito, na outra milagrosamente não me aconteceu nada.


A primeira vez foi quando a rua da minha casa ficou bloqueada por meses a fio, porque para chegar no nosso bairro era preciso passar por uma ponte sobre um ribeirão e a ponte estava velha, de tal forma que a derrubaram para construir outra no lugar. Assim, nós crianças ficávamos brincando ali, livres, sem carros para nos preocupar.


A rua em si fica em uma enorme ladeira, e era de paralelepípedos. Eu andava de bicicleta havia pouco tempo, mas adorava fazer isso. Só que eu não tinha bicicleta. Quem tinha era meu irmão, o Leandro. Aquela freestyle azul era o xodó dele. Mas ele me deixava andar nela de vez em quando, pra infelicidade dele.


Um dia meus primos e primas de Santos estavam em casa para passar um feriado, e estávamos todos brincando na rua, empinando pipa, brincando de pique-esconde, estas coisas. Foi quando eu tive uma idéia genial: vou pegar a bicicleta e descer com tudo, e mostrar pras chatas das minhas primas que eu sou fera sobe duas rodas (pensei nisso porque ela viviam me importunando, porque eu já era meio gordinho na época).


Minha mãe sempre me falava para descer sem pedalar, e freando. Imagina se eu pensei no motivo dela me falar aquilo naquele momento... não lembrava de nada, e nem de ninguém naquele instante. Eu só pensava em mim, na bicicleta do meu irmão e nos paralelepípedos. Subi até o topo da ladeira, olhei para todos lá em baixo, e então comecei a pedalar com toda a força que tinha nas minhas pernas. Aquela era a hora da verdade, quando eu ia fazer todo mundo ali engolir aqueles apelidos idiotas que colocavam em mim. Seria o meu momento de glória, a minha redenção.


Imaginava chegar lá em baixo após quebrar a barreira do som, com a música do Top Gun tocando ao fundo, uma multidão me aplaudindo e todos falando emocionados como se sentiam orgulhosos de mim. Seria fantástico!


Quando eu cheguei mais ou menos na altura da minha casa, aonde todo mundo estava me olhando preocupado, eu gritei: “SEM FREAAAAAAR!!!”. Não devia ter feito isso. Eu olhei para eles, e perdi o controle da bicicleta. Que mané! Eu tentei estabilizá-la, mas a coisa só piorou. Foi então que eu pensei: “Ferrou! É melhor eu frear!” E então a criatura que vos escreve teve a moral de acionar o freio... DA FRENTE!


Eu devia estar a uns 40Km/h. Ao travar a roda da frente em uma descida como aquela, a traseira da bicicleta passou por cima da minha cabeça, e eu fui arremessado para frente. Acho que fui o único filho da minha mãe que planou no ar por mais de 3 segundos sem ser dentro de um avião.


Após aquele tempo, que me pareceu uma eternidade, eu pousei DE BOCA NOS PARALELEPÍPEDOS. Me lembro do barulho dos meus dentes batendo nas pedras até hoje, e do meu corpo deslizando pela descida. Do início do vôo até o pouso acho que foram uns 4 ou 5 metros, e do pouso até eu efetivamente parar, deve ter rolado mais uns 5.


Disseram que eu fiquei de cara no chão por alguns segundos, imóvel. Um desespero se abateu sobre todos. Meu irmão começou a correr desesperado na minha direção, gritando. Foi neste instante que eu me levantei, olhei para os lados, me arrastei como um bebê até o meio fio, me sentei e cuspi sangue, muito sangue, e como na maioria das vezes em que estou em um momento desses, falei a coisa mais óbvia do mundo: “EU TÔ SANGRANDO!!!”.


Neste instante meu irmão mudou de rumo porque viu que eu estava vivo, e começou a correr para os restos de sua bicicleta, que estava literalmente do avesso. Ele quase chorou, de pena da bicicleta e de ódio de mim.


Milagrosamente eu não quebrei nem um osso sequer, e nem mesmo um dente! Foi naquela época, em minha pré-adolescência, que a impressão de imortalidade de mostrou mais forte em mim. Mas eu acabei me machucando bastante, e fiquei cheio de hematomas por um bom tempo. Tenho uma cicatriz grande no meu joelho até hoje fruto daquele acidente. E o pior é que o tiro saiu pela culatra, porque meus primos passaram a me zoar mais ainda depois desse mico.


Depois disso teve outra vez em que eu fui, em 2006, com uns malucos subir o Pico dos Marins. Eu já havia ido lá uma vez, mas não havíamos conseguido chegar ao cume. Na segunda vez, chegar lá era questão de honra. “Como assim vamos no Martins e não chegamos ao pico? Até crianças chegam ao pico!”.


Passei um aperto danado pra subir, cansado pra caramba. Definitivamente meu organismo nunca foi otimizado para resistência, mas sim para explosão. Nunca seria um maratonista, mas acho que teria alguma chance como velocista.


De qualquer forma subimos e dormimos lá em cima. No dia seguinte começamos a descer. Eu estava com um tênis apropriado para a ocasião, mas ele era velho, MUITO VELHO. Descer a encosta de uma montanha como aquela, que estava escorregadia por causa da neblina forte, e com um par de tênis velhos e gastos foi pedir para acontecer alguma coisa ruim. E ela aconteceu, no pior momento em que poderia ter acontecido.


Bem no começo de um declive bem acentuado (estimo entre 30º e 40º) eu perdi a aderência em um dos meus pés. Instintivamente eu tentei me equilibrar jogando um pé para frente e firmando-o no terreno a frente. Só que eu estava descendo. E estava com uma mochila pesada pra caramba nas costas. Perdi o equilíbrio, e comecei a cair para frente.


Para não cair de cara na pedra e me arrebentar todo, tentei me equilibrar dando uma acelerada pra frente e tentando firmar o pé de novo na rocha, mas ai é que eu perdi a aderência totalmente, e comecei a literalmente correr para baixo para retardar a queda inevitável.


De novo, como sempre, gritei o óbvio: “ESTOU CAÍNDO!!!!!!!”. O Ricardo, que estava comigo na época, até hoje me zoa por causa desse grito. Mas na hora ele se jogou no chão e esticou a mão para tentar me pegar, porque ele estava mais para baixo. Sabe quando você tenta pegar alguém caindo, mas suas mãos só se batem inutilmente no ar por uma fração de segundo?


Eu continuei a cair, e vi minha vida toda passar diante dos meus olhos. Percebi que o declive terminava em um pequeno precipício. Era o fim. Só sei que pela velocidade em que estava, ao flutuar (olha eu planando de novo) eu dei um mortal em pleno ar, e cai de costas bem em cima de uma tosseira, que caprichosamente amorteceu minha queda, me permitindo passar por aquele evento mortal SEM NENHUM ARRANHÃO.


Eu não acreditava naquilo. Fiquei estático por alguns segundos, pensando se eu já estava morto ou se tinha acontecido um milagre. Ao longe ouvia meus companheiros desesperados gritando por mim. É, era um milagre. Agradeci muito a Deus naquele instante e fiz um juramento de nunca mais fazer algo tão estúpido como aquilo outra vez. Me levantei e continuamos a descida. E ainda tive que ouvir bronca do pessoal reclamando pra eu tomar cuidado, que se eu me machucasse eles iam embora e iam mandar os bombeiros me resgatarem.


Vai rindo...

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