Ontem a noite, sozinho em casa, terminei de ler o primeiro livro da série “Fronteiras do Universo” (His Dark Materials). É aquele mesmo que muita gente leu em e-mails espalhados pela Internet e cujo conteúdo dizia ser este livro satânico, incutidor de idéias anti-cristãs, blasfemo e outras coisas mais.
O livro, na minha opinião, é muito bom e não trás nada de tão perigoso assim. O fato do autor ser um ateu declarado, e ele tratar sobre assuntos religiosos e filosóficos incomodou muita gente entre católicos e protestantes. O fato da história demonstrar a igreja como uma figura controladora e castradora piorou mais ainda. Fora o elemento narrativo chamado de Dimon, que muita gente disse serem “deamons”, ou seja, demônios. Isso inclusive é citado no começo do segundo livro.
Que fique claro: o autor nunca explica com todas as palavras o que são os dimons, mas quanto mais você lê, mais claro fica o que são. Dá-se a entender que eles são uma manifestação física da própria alma da pessoa. Humano e dimon podem aparentar o contrário, mas não são duas entidades separadas. São sim um ser único (alma e corpo), tanto que não podem se afastar muito um do outro sob pena de grande desespero e sofrimento.
Dimons de adultos tem uma forma fixa que, mais adiante, você percebe representar características de personalidade e atitude de seu humano, enquanto que dimons de crianças podem assumir centenas de formas diferentes, de acordo com sua vontade. É uma alegoria ao fato de que, quando crianças, temos potencial para sermos qualquer coisa que quisermos ser, e quando adultos, somos este algo definido com o passar do tempo e com a morte da inocência pelo acúmulo de experiência.
De certa forma todo este burburinho em torno do livro tem sua origem na mesma fonte de onde saíram as condenações a outros livros infanto-juvenis envolvendo visões mágicas e fantásticas, como a série Harry Potter (que eu nunca li, mas que vi todos os filmes até aqui). Philip Pullman, assim como outros autores criticados, pisou em um terreno perigoso do qual muitos escritores desviam: criticar não o cristianismo, mas sim a igreja.
Ele criou um universo aonde não só o cristianismo era disseminado, como trechos da Bíblia neste universo foram alterados. Se todos os humanos tinham dimons, era natural que no livro de Gênese deste Universo Adão e Eva também tivessem dimons lá no éden. A história gira em torno de elementos que, ao final do livro, vão se revelando extremamente polêmicos tanto dentro quanto fora da história, para personagens e leitores.
Declarar que as escrituras podiam sugerir que Deus afirmava ter uma natureza em parte pecaminosa é algo que sempre faz com que os crentes fiquem indignados. A mesma indignação pode ser vista nestas mesmas pessoas quando se afirma que não existe um céu e um inferno, mas sim infinitos céus e infernos, que nada mais são do que realidades paralelas de acordo com todas as possibilidades até o nível sub-atômico (basicamente, um dos conceitos mais polêmicos da física quântica).
O detalhe é que o escritor, até onde eu sei, não esperava destas pessoas outra reação se não essa: indignação. Mas a reação destas pessoas ultrapassa a mera indignação, e é igual à reação da igreja dentro da história: intolerância, perseguição, acusação de possessão e satanismo, abafamento. Coisas que foram vistas na igreja em épocas obscuras como a santa inquisição. Coisas que ainda vemos em certos meios mas que muita gente não quer admitir que ainda ocorrem, se bem que de maneira velada e sutil.
A história fala basicamente sobre a intolerância religiosa e sobre o desejo de posse exclusiva da verdade por parte da igreja, ao ponto de excluir antecipadamente qualquer outra possibilidade, utilizando para tal os mais variados meios, sejam eles éticos ou não.
A igreja sempre afirmou que não podem haver dúvidas sobre Deus e sobre a fé. Se houverem opiniões divergentes, as dúvidas imediatamente surgirão, então é melhor acabar com outras hipóteses para manter a ordem e o controle. Mas controle de quem?
Sem grandes pretensões, é uma história muito boa que ressalta os valores da amizade, coragem, amor, perseverança e do conhecimento. Lyra é um exemplo de sagacidade e de processo de amadurecimento, deixando de ser uma menina irritante para se mostrar uma garota de valor, que descobre sua futilidade e passa a dar valor a aquelas coisas realmente importantes.
Em nenhum momento o autor afirma que Deus não existe. De fato, em certa parte do livro ele afirma o contrário, pelo menos no primeiro livro (já comecei a ler o segundo).
O problema todo é a intolerância e o preconceito. E o fato de que muitos crentes e religiosos não sabem olhar para uma história, para um livro, e vê-lo como isso que é. Gostam de ver motivações e propósitos ocultos e subliminares que muitas vezes não existem. Porque podem ver livros como “As Crônicas de Nárnia” e até “O Senhor dos Anéis” (gosto muito de ambos) e vê-los como histórias inocentes, enquanto que histórias como “Harry Potter” e “A Bússola Dourada” são tachadas como obras de Satanás para desviar as crianças e adolescentes dos caminhos de Deus? É pelo mero fato de que Lewis e Tolkien terem sido cristãos (principalmente Lewis, que era pregador) e Pullman e Rowling serem ateus ou não praticantes? Não seria isso aquilo que Pullman critica em sua obra? Preconceito e intolerância?
Se você olhar e comparar estas obras, verá que elas não são assim tão diferentes entre si. Todas tem elementos chave semelhantes, como magia, mundos paralelos, eventos sobrenaturais e batalhas épicas entre o bem e o mal. As pessoas deviam parar de usar dois pesos e dias medidas, e deixar de ver pêlo em ovo e mudar a forma com que vêem o mundo. Deus criou o Universo com a diversidade que o infinito pode acomodar. Porque tentamos sempre impor limites, tentando adequar a realidade a nossa míope e limitada capacidade de compreensão das coisas?
Deus é fato, assim como Cristo é fato. O resto é mera suposição. Cristo não deixou evidências físicas de sua existência justamente porque evidências físicas podem ser forjadas, manipuladas e alteradas. As provas que Ele nos deixou são espirituais, e tendo-se estas provas, nada mais é capaz de lhe fazer deixar de crer. Nem mesmo um livro.
No site do filme, que eu ainda não vi mas pretendo ver em breve, existe um teste para descobrir qual é o seu dimon. Fiz o meu e não sei se deu certo. Meu dimon é a Rhianna, um leopardo da neve, porque me classificaram como alguém de fala mansa, afirmativo, flexível, solitário e modesto. E ela é fêmea porque dimons quase sempre são do sexo oposto a de seus humanos.
Sequiser fazer, o site é http://www.goldencompassmovie.com
2 comentários:
como eu faço p/ montar um dimon??
bjss
Como falei no post, basta entrar no site do filme.
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