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1 de julho de 2008

A FACA SUTIL / THE SUBTLE KNIFE

Philip Pullman – 1997


Ontem a noite, não mais sozinho mas isolado em meu quartinho de leitura, terminei de ler o segundo livro da série “Fronteiras do Universo” (His Dark Materials). É aquele mesmo que muita gente leu em e-mails espalhados pela Internet e cujo conteúdo dizia ser este livro satânico, incutidor de idéias anti-cristãs, blasfemo e outras coisas mais.


No post em que eu falei sobre o primeiro livre eu disse que a história era boa. Termino o segundo dizendo que a história continua ótima, e a narrativa melhorou tanto que em certas partes era quase impossível parar de ler. Mas tem algo a ser falado sobre este livro e que provavelmente vai contradizer em parte o que eu falei antes sobre esta história.


Algumas pessoas que viram o primeiro filme não acharam grandes coisas sobre os perigos que a história transmite sobre uma visão totalmente invertida de Deus. Quem ler o primeiro livro, ao terminar, acharia a mesma coisa. Mas o caldo engrossa bastante no segundo livro.


Se não gosta de spoillers (estraga-surpresas), não leia. Mas se quer saber um pouco mais, continue abaixo, pois vou falar um pouco mais sobre a história.


Termina-se o primeiro livro com lorde Azriel tendo quebrado a barreira entre os mundos (dimensões diferentes, ou realidades paralelas). Ele foi para outro mundo e Lyra foi atrás, imaginando que ao contrário do que o pai dela achava, o tal pó (citado como poeira do universo, impregnada em tudo, mas de maneira mais concentrada em pessoas adultas e com dimons imutáveis) não era uma coisa ruim a ser destruída, mas sim algo bom a ser preservado.


A citada Faca Sutil do título é uma faca que foi feita no mundo para onde o portal que lorde Azriel criou. Um undo repleto de crianças de dimons, com adultos que eram mortos-vivos, sugados por Espectros que não de interessavam por crianças, deixando-as em paz. Da faca, falo depois.


Pulando a enrolação, para este mundo vai um rapaz, Will, que é do nosso mundo, esta terra mesmo que conhecemos, com seus cinemas, coca-cola, polícia, tv, desenho animado e muito mais. Ele encontrara um portal para aquele mundo e lá se encontrou com Lyra, e a partir daí ocorrem diálogos e ações em ambos os mundos que constatam o que já era inferido no primeiro livro.


Dimons são a alma da pessoa. Lyra a principio acha estranho que Will não tenha um dimon, mas depois ela percebe e lhe fala que ele tem um sim, mas que está dentro dele, escondido. Depois, constata-se que o tal pó o que chamamos em nossa física de “matéria escura”. E a partir daí começam as coisas que engrossaram o caldo, como citei.


Descobre-se que o aletiômetro (a bússola de ouro do primeiro livro) é um objeto que manifesta a consciência do pó/matéria escura, que, no final das contas, não só é senciente como manipula o Universo. Eles dizem que os humanos os chamam de pó, ou de matéria escura, mas que na verdade estes mesmos humanos os conhecem desde tempo imemoriais por outro nome: anjos!


A partir daí fica-se claro que, na história, o pó é a manifestação do poder de Deus, que prende os humanos em destinos que a grande maioria, principalmente Azriel, acham cruel. Ele simplesmente começa a reunir um exército gigantesco de anjos (sim, anjos), feiticeiras e diversas criaturas de infindáveis mundos que, como ele, tinha este objetivo: acabar com o pó, terminando uma guerra que, segundo eles, havia sido travada nos céus há muito, muito tempo atrás.


Azriel quer terminar o que o Diabo começou, entendendo que o criador (eles não usam o nome Deus) é um tirano. Se ele não o for, seus representantes (a igreja, em infindáveis mundos) se apresentam como tal, e portanto, este mesmo criador seria co-participante com eles da tirania da igreja, que sempre buscou matar tudo o que há de belo, prazeroso e e natural na vida humana, tentando atirá-lo em um abismo de ignorância em contra-partida daquilo que eles criam ser o destino do ser humano: se tornarem nobres, evoluídos e bons pela busca do conhecimento, da lógica e da razão. Falam com ódio contra este ser que criou os humanos e os aprisionou em um universo de dor e sofrimento como aqueles em que viviam (pois eram muitos os Universos, mas era apenas um só Deus).


O interessante é que fica-se subentendido que não é só Deus quem eles querem destruir, mas também o Diabo. Dizem que a vida humana é disputada por dois poderes “que brigam o tempo todo para poder manipular cada resultado da evolução da humanidade, tirando este controle um dos dentes do outro em um combate feroz e mortal”. E o que Azriel quer é que os humanos não sejam mais manipulados por lado algum nunca mais. É, portanto, uma visão não satanista a do escritor, mas meramente ateísta! Bem radical, diga-se de passagem.


Obviamente imagina-se que isso tudo é ridículo. O exército de Azriel, segundo criaturas antigas na história, era muito mais numeroso, forte, bem preparado e comandado do que o exército que fez o levante no passado (de Lúcifer, que não foi citado até aqui). Mas fica-se sabendo que sem uma determinada coisa, a missão deste exército seria impossível. E é justamente ai que a faca sutil entra.


Criada naquele mundo intermediário (que ligava todos os mundos diferentes), esta faca parecia normal, mas era extremamente especial; era, de fato, única. Fora criada como uma experiência de filósofos e físicos, que resultou em algo inacreditável, cujos criadores sequer se deram conta do que tinham em mãos. Criaram uma faca com o fio tão perfeito, tão absurdamente afiado, que podia contar qualquer coisa. QUALQUER UMA.


Usavam-na, por exemplo, para fazer o que nossos aceleradores de partículas fazem hoje nos grandes centros de pesquisa da matéria no mundo. Quebravam átomos com esta faca. Em nosso mundo, quebramos átomos originando partículas nucleares chamadas de prótons, nêutrons e elétrons. Quebramos estas partículas e obtemos sub-partículas atômicas como os quarks e os neutrinos. E dentro destes, não se tem idéia do que há, pois não é possível quebrá-los de tão pequenos e compactos que são. Mas com a faca sutil, era possível quebrá-los em pedaços muito, muito menores, até destruí-los por completo e simplesmente extinguir qualquer coisa a nada.


A faca sutil podia cortar o próprio tecido do espaço-tempo e da realidade, criando portais para dimensões paralelas. Esta faca podia cortar o incortável, sendo capaz de cortar até mesmo a matéria escura, que logo se entende ser a manifestação etérea do que conhecemos como espírito (no livro, que fique bem claro). Esta faca, por mais absurdo que se possa parecer, além de criar portais interdimensionais... podia matar Deus!


Sob esta ótica, agora fica-se claro os motivos que levaram igrejas a alertar sobre estes livros. A idéia de matar deus é abominável e impossível. Para os religiosos, mesmo em um livro isso sequer devia ser vislumbrado.


Mas volto a dizer: é uma história extremamente criativa e empolgante, que prende o leitor e o leva a reinos de imaginação que, pelo menos eu, nunca tinha visto. Mas é preciso lê-lo com critério, e o critério e simples: foi escrito por alguém que não gosta da igreja por motivos que de certa forma eu acabo compartilhando, infelizmente. A igreja, volto a afirmar, errou e erra muito, seja católica, evangélica, muçulmana, mórmon ou de outras religiões. Em muitos casos representam interesses terrenos, políticos e pessoais (de cunho financeiro e até sexual). É natural que tentem confrontá-las colocando seu objeto de adoração, ou seja, seu Deus, em xeque.


Mas eu simplesmente leio a história sem me preocupar ou deixar contaminar com estas coisas. No final das contas, eu sempre tive a visão que em uma história, em um livro, os personagens vivem em um Universo de verdade, e o deus deste Universo em que estão inseridos não é o nosso Deus, mas sim o próprio escritor. Ele é quem criou aquele mundo e aquelas pessoas. Então, se fala mal daquele deus, o citando como um tirano, fala mal de si mesmo, impondo seus personagens destinos cruéis e dolorosos.


Mas vale lembrar que Lyra desconfia que seu pai, lorde Azriel, esteja totalmente equivocado. Então, ainda preciso ler o último volume para ter uma visão completa da obra e saber aonde isso tudo vai terminar.


Toda história precisa de acontecimentos ruins para que os bons ocorram, conflitos e situações que exijam a ação dos personagens. Em uma história de cunho fantástico como esta, que situação mais época poderia existir se não uma guerra contra o próprio criador do Universo? É a rebeldia mais escrachada que se pode ter, e por mais que se diga que não, todos temos uma natureza rebelde, que com Cristo, tentamos suprimir. No mínimo, por mais enojados que possamos ficar, sempre há uma identificação, por menos que gostemos de admitir.


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