É duro quando se
percebe que nossos avanços pessoais simplesmente não são reais,
mas sim frutos de uma falsa percepção particular, falta de foco e
típica miopia autoanalítica.
Eu estava indo muito
bem nas últimas semanas, achando que havia superado algumas coisas
em mim, mudado alguns procedimentos da minha vida, até que em uma
simples e calma conversa com uma pessoa, com uma única frase, me dei
conta de que na verdade não mudei nada, e que continuo a ter as
mesmas respostas aos mesmos estímulos. Como o Cão de Pavlov eu
continuo a salivar ao ouvir a campainha, mesmo que não exista
comida. Há ai um condicionamento.
Isso é da natureza
humana afinal de contas, não? Culpa, arrependimento, desejo por
mudança (salvo os psicopatas). Existem diversas coisas na vida de nós, pessoas, que uma hora ou outra nos leva a uma resolução por mudança.
“Preciso mudar isso e aquilo em minha vida” pensamos nós. E então buscamos algo que nos ajude a mudar. Algumas vezes buscamos em nosso interior, muitas outras, no exterior.
Eis o sucesso de livros
e palestras de autoajuda, da religião desenfreada de promessas
fáceis, da própria psicanálise, das terapias diversas, da mitologia
de uma forma geral, e porque não do álcool e das drogas lícitas ou ilícitas.
Na maioria das vezes buscamos tecnologias farmacológicas ou psicológicas que nos auxiliam - muitas vezes sem que percebamos isso - a alcançar tal mudança. Alguns de nós mudamos, outros não. Dos
que mudam, muitos mudam temporariamente de forma artificial, voltando à condição inicial após algum tempo ou após alguma crise onde suas novas convicções demonstram-se frágeis como cristal. Poucos de nós conseguem realmente mudar. E
assim a vida segue, e vamos nos resignando com uma
frustração constante, com a culpa que nos corrói,
com a falta de esperança de se ver livre daquilo que nos aflige.
Mas e Jesus?
Sempre ouvi nas igrejas
que Jesus muda a vida do crente. Vou ser sincero: eu nunca senti isso
de forma intensa e febril.
Eu não tinha uma vida louca antes de
minha conversão, sabe? Na verdade as mudanças que eu buscava e
busco são de atitude e resposta emocional. Não quero ficar magoado
com certas coisas que continuam a me magoar mesmo que eu racionalize
que não devo ficar assim (já que o evangelho as explica e eu
concordo serem erradas). Não quero ficar irritado com certas pessoas
ou situações que racionalmente sei que não deviam despertar em mim
tal resposta emocional ou comportamental negativas. Quero deixar de agir de forma a magoar ou fazer mal a outras pessoas. Quero começar a
agir e fazer certas coisas que sei que são certas, mas simplesmente
não as faço.
Onde Jesus se encontra nessas horas? Por que não
consigo sair do mesmo lugar?
Revelo que eu pensava
até pouco tempo atrás que a mudança que Jesus nos dava era, até
certo ponto, sobrenatural. Bastaria eu crer e a mudança viria de
forma mágica e imediata , claro, com algum esforço da minha parte,
mas nada muito pesado.
Mas ela nunca veio, pelo menos não para mim.
O que veio em seu lugar
foi uma crise de fé. “Será que na verdade nunca cri? Será que me
engano e não sou cristão porcaria nenhuma? Será que no juízo
final Jesus vai se virar para mim e dizer que não me conhece?”. Já
pensei que sim, mas hoje penso que não. A crença está aqui, forte
e madura. Não fosse assim, porque a situação me incomodaria tanto
e a autoanálise seria tão recorrente? Ela é fruto da maior preocupação que ronda minha mente e alma: estou sendo como Deus espera que eu seja? Estou deixando-o feliz com quem sou? Estou glorificando-o?
Assim sendo, o que está
dando errado então? Onde eu estou errando?
Foi ai que eu pensei:
espera aí... será que eu estou mesmo errando?
A fé não é para
pessoas fracas como muitas pessoas (ateus principalmente) gostam de
alegar. A conversão a Cristo é dolorosa e continua, e qualquer
pessoa sã fugiria de tamanho tormento (Ora, o homem natural não
compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem
loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem
espiritualmente – I Corinthios 2:14).
Assim, desconfio de pessoas
que se “convertem” rapidamente porque estou entendendo que
mudanças de comportamento não ocorrem sobrenaturalmente. São fruto
de trabalho extenuante e cotidiano, que exige de nós grande esforço
moral - ou seja, escolhas conscientes sobre o que é certo e errado
de ser feito de acordo com um modelo inicial - sendo portanto Jesus
meu modelo.
Quem toma as decisões
de como responder a um dado estímulo somos nós mesmos afinal de
contas, e não Deus. Isso é livre arbítrio.
Quando oramos e pedimos
que Deus leve uma pessoa a conversão por exemplo eu tenho certeza
que Deus não vai enfiar essa decisão goela abaixo da pessoa, mas
sim colocar situações na vida dela onde tal pessoa se veja forçada
a refletir sobre coisas que podem levá-la a uma decisão de
conversão ou não. Mas a conversão em si depende obviamente da
pessoa, e apenas dela.
O mesmo se aplica a
mim.
Quando eu oro pedindo a
Deus que me de forças para ser cada vez mais como Jesus, que me mude a superar meus erros e tendências pecaminosas, Ele não
vai fazer isso de forma sobrenatural. Arrisco em dizer que Deus não pode fazer isso, já que fazê-lo seria
interferir com meu livre arbítrio - e se Ele fizesse isso, estaria
ferindo e contradizendo sua própria palavra.
Assim fosse eu não teria escolha a não ser plenamente seguidor e imitador de Cristo, e nem ninguém,
e todos seriamos santos, e não haveria pecado pois todos seriamos
salvos, e Jesus não teria que ter feito seu sacrifício, e o pecado
original não teria sido cometido.
Não. As coisas são como elas são.
Mas Deus não é limitado. Ele apenas trabalha da forma que estabeleceu desde o início dos tempos
porque assim Ele desejou. A escolha está conosco, e é do fruto desta escolha que podemos glorificá-lo - não porque somos obrigados mas sim porque somos criaturas conscientes e com vontade própria que escolheram submeter-se a Deus.
O que Deus faz é
nos colocar em situações que muitas vezes não percebemos. Nos faz
passar por momentos que são oportunidades de aprendizado e exercimento
de novos comportamentos mais alinhados com Cristo.
Daí que o falhar é,
na verdade, natural. Precisamos errar muito até acertar. Caímos
muito antes de aprender a andar. Falamos muito errado até dominarmos
um idioma. E pecamos muito até atingirmos a santidade.
É frustrante? Sim...
demais. Frustrante, desestimulante, depressivo, triste, desesperador... mas eis ai o lado
sobrenatural da coisa toda, a evidência do Espírito Santo de Deus habitando em mim: Deus me dá forças para
continuar a luta contra mim mesmo. Porque Jesus se doou na cruz para que eu pudesse carregar
essas dificuldades - minha própria cruz - e com elas crescer, já que este foi o exemplo que Cristo nos deixou. E mesmo que pareça que não saio do lugar, o que Deus vê não é o quanto arrastei minha cruz, mas sim que eu não desisti de arrastá-la até que o fim venha, e a convicção de que mesmo que eu perceba que a arrastei pouco, dei o meu melhor amando-o genuinamente.
Eu sei que vou morrer
carregando pecados. Todos nós vamos. Não fosse assim, o maior dom de Deus não seria
necessário: o dom gratuito da salvação mediante a fé em Jesus Cristo. Nada além disso é capaz de me conceder a salvação que busco. Nem mesmo carregar minha cruz em volta do planeta inteiro.
Veja, eu não defendo que podemos mudar a nós mesmos. A mudança vem obviamente de Deus, mas as decisões de mudança partem de nossa decisão e de nossas escolhas. Somos responsáveis por isso. E está na hora de voltarmos a assumir tal responsabilidade.
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