Estou em uma grande e importante espaçonave na órbita da Terra.
Eu sempre desejei viajar pelo espaço, então é algo como um sonho se realizado.
Todos os demais tripulantes, salvo mais dois ou três além de mim, estavam postos em hibernação criogênica para a longa viagem que a nave faria. Eu sou o responsável por dar ignição na espaçonave antes de me por em hibernação, ignição que porá a espaçonave rumo a seu destino. Era uma tarefa simples, mas primordial. Se ela não fosse concluída, todo o resto não poderia ser executado.
Há do lado de fora na nave criaturas estranhas. Não são exatamente monstros, mas criaturas que parecem me ludibriar, me seduzir, me enganar e me desviar de meu propósito: dar a ignição.
Algumas invadem a espaçonave e eu e os outros que estão acordados temos que lidar com elas. Após algum tempo conseguimos nos livrar delas, e então flutuo até a cabine de comando para dar a ignição. Só que neste momento eu percebo que não sei como fazer isso. Nenhum dos demais também sabia. Era necessário inserir um código no painel do sistema central, e eu não fazia ideia de como ele era.
Começo a procurar pelo código na papelada da capitã (sim, eu sabia que quem mandava na espaçonave era uma mulher, que estava como todo o restante da tripulação, em hibernação criogênica e portanto inacessível). Não encontro o código, mas encontro outros papéis. Em um deles está minha avaliação no treinamento que havia feito para poder dar ignição na espaçonave.
Tudo ali indicava uma coisa claramente: eu era péssimo. Todas as minhas avaliações eram ruins e deficientes. Comentários sobre falta de capacidade de atenção e concentração eram as que mais me chamaram a atenção.
Uma mistura de sentimento de inaptidão, derrota e conformação me dominam. E então eu acordei.
A espaçonave obviamente é minha vida. Ela está parada em órbita de algo maior, cujo tamanho exerce uma poderosa força gravitacional da qual em parte me livrei, mas em parte ainda me segura. Preso entre dois mundos, entre minha origem e meu destino. Eu não sei bem o que é este algo maior.
A tripulação em hibernação são meus sonhos, dons e capacidades, postos para dormir por mim mesmo muito tempo atrás. Onde eu estou, eles não tem utilidade, não podem ser despertos, ficarão inúteis e sofrerão.
Os outros tripulantes são pessoas que conheço em minha vida que eu posso chamar de amigos. São poucos, obviamente, e sua ajuda é limitada. Há coisas que eles não podem fazer por mim. Há coisas que apenas eu posso fazer, e ninguém mais.
Eu sou eu mesmo: pessoa incapaz que não consegue lidar com as mais simples coisas da vida, que se atrapalha com coisas que a maioria dos outros lida sem nem sequer pensam para resolver, que tropeça em terreno plano, que aguenta cargas pequenas como se fossem insuportáveis. Que não consegue se concentrar, que não consegue prestar atenção. Que não consegue ser gentil, bondoso, alegre, divertido. Que não consegue ser amável. Que não consegue amar. Que não consegue se importar ou ligar para nada. Que não vê motivação em nada, que vê tudo como perda de tempo e despropósito, que só vê o lado ruim de tudo e nunca o lado bom. Que não consegue honrar o nome de Jesus, que não consegue ser como Ele nem que em parte.
As criaturas do lado de fora da nave são todas as coisas que tentam me impedir de dar a ignição na minha vida, de pô-la em movimento rumo ao meu destino, onde a tripulação (meus dons, habilidades, sonhos) serão despertos, onde eles terão algo a fazer, onde seu propósito será cumprido.
O que eu tenho que fazer?
Encontrar uma forma de dar a ignição. De por a espaçonave (minha vida) em movimento. De colocá-la a caminho do meu destino. A espaçonave sabe para onde deve ir, mesmo que eu não saiba. Tudo o que eu tenho que fazer é praticamente apertar um botão. Mas qual?
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